Em entrevista à BBC Brasil, o atual presidente da Fundação Lejeune, o pesquisador Jean Marie Le Méné, que trabalhou com o geneticista francês durante 20 anos, falou sobre a importância do trabalho pioneiro desenvolvido pelo médico que descobriu a primeira anomalia cromossômica humana, a trissomia 21. Le Méné falou também sobre uma controvertida perspectiva, buscada pelo próprio Lejeune: a "cura" da síndrome de Down que ele considerada como uma das "doenças da inteligência".
Instituto francês busca a 'cura' para a trissomia 21
Fundação Lejeune, em Paris, é chamada assim em homenagem a Jérôme Lejeune (1926 - 1994) que, em 1958, descobriu a origem cromossômica da Síndrome de Down, até então chamada de "mongolismo".
Esta foi a primeira vez que se estabelecia um vínculo entre um estado de deficiência mental e uma anomalia cromossômica.
01. Qual é a importância para a medicina, em geral, da descoberta feita por Lejeune de que os portadores da Síndrome de Down têm um cromossomo a mais? Le Méné: Ao descobrir a origem cromossômica da síndrome de Down, o professor Lejeune mostrou a ligação entre a genética e as doenças humanas.
Lejeune dizia que as pessoas com síndrome de Down não tinham cromossomos anormais ou doentes e sim um cromossomo extra. Para ele, era preciso, de alguma maneira, colocar este cromossomo a mais entre parênteses e, através de medicamentos, anular seus efeitos bioquímicos. Um dia, vamos conseguir "curar" a síndrome de Down.
02. A que características especifícamente o senhor está se referindo? Ao retardo mental? Le Méné: Exatamente. Há muitas coisas a corrigir pois os portadores desta síndrome não apresentam somente o retardo mental. Como o cromossomo 21 está presente em todas as células, então há um pouco de problema em tudo. Mas a razão porque as pessoas com SD são excluídos da sociedade é por causa do retardo mental, e não porque eles podem nascer com problemas cardíacos ou digestivos.
Acho que o principal inconveniente da trissomia 21 é o retardo mental e se a gente conseguir melhorar isso, melhoramos todo o resto. Pensamos que, para os pais e para os mais interessados, os portadores da síndrome de Down, o mais importante é ter um nível intelectual como todo mundo.
03. Mas o senhor não acha que é o caso de a sociedade, em geral, aprender a conviver com as pessoas que são diferentes da maioria? Le Méné: Concordo que é uma questão da sociedade aceitar as pessoas com alguma diferença, ou deficiência. Mas existe uma grande diferença entre os que têm alguma deficiência física ou sensorial dos que têm uma deficiência mental e que são mais rejeitados pelas pessoas. Os que têm limitações físicas ou sensoriais podem compensar usando computador ou uma bengala. Para os que têm retardo mental não existe uma compensação.
A segunda razão é que, em países desenvolvidos como a França, se diz que se pode “evitar” o nascimento ou a ocorrência da trissomia 21. Ou seja, se se conseguir evitar o nascimento das pessoas com trissomia 21, através do aborto, não haverá mais pessoas com Down no mundo. Por conta disso, a tendência mundial é não dar mais atenção aos que estão aqui, aos que nascem, aos que estão envelhecendo, e trata-se de uma população numerosa.
E é realmente um erro pensar assim pois sempre haverá pessoas com trissomia 21, mais velhos e mais jovens. Haverá sempre mulheres que vão se recusar a fazer um aborto porque podem estar grávidas de um bebê com Down. E é injusto ter este tipo de comportamento em relação a uma doença que não é rara.
04. Não é um erro chamar a síndrome de Down de "doença"? Le Méné: É uma escolha de palavras feitas pelo professor Lejeune que chamava a trissomia 21 de "doença da inteligência". Ele acreditava que era uma doença e que podia ser tratada. Ele não pensava que a síndrome de Down tinha o retardo mental como característica e que isso deveria ser considerado uma fatalidade e ponto final.
A trissomia 21 é uma doença genética. A palavra doença traz esperanças de tratamento e de uma cura.
05. O senhor vê progressos no tratamento das pessoas com Down hoje em relação à época do professor Lejeune? Le Méné: Em 1996, a Fundação Lejeune se tornou o primeiro patrocinador das pesquisas em relação a síndrome de Down na França. Antes disso praticamente não havia estudos sobre o assunto no país.
É muito importante também para a sociedade e para as pessoas portadoras da síndrome saber que há médicos que se interessam pelo assunto. Não se pode mais ter médicos que dão a notícia para os pais do nascimento de uma criança com Down, dizendo: "é uma catástrofe. Ele não vai falar, não vai andar, etc.".
06. O senhor vê progressos no tratamento das pessoas com Down hoje em relação à época do professor Lejeune? Le Méné: Em 1996, a Fundação Lejeune se tornou o primeiro patrocinador das pesquisas em relação a síndrome de Down na França. Antes disso praticamente não havia estudos sobre o assunto no país.
É muito importante também para a sociedade e para as pessoas portadoras da síndrome saber que há médicos que se interessam pelo assunto. Não se pode mais ter médicos que dão a notícia para os pais do nascimento de uma criança com Down, dizendo : "é uma catástrofe. Ele não vai falar, não vai andar, etc.".
07. Um assunto que mobilizou a França nos últimos anos foi o direito de nascer das pessoas com deficiência... Le Méné: Você está falando do caso Perruche. Uma mãe que teve um filho com problemas mentais e ela processou o médico e venceu. Houve um erro nos exames laboratoriais. Depois, ela entrou com um processo em nome do filho, alegando que ele tinha o direito de não estar aqui. O médico foi condenado a pagar uma indenização por ter dado o direito à criança de nascer. O médico foi condenado pelo problema da criança apesar de o médico ser responsável pelo nascimento dela.
Este assunto provocou muita polêmica na França. A classe médica e os pais consideraram um escândalo assim como a mídia e os políticos.
08. O senhor acha que um dia não vai mais haver pessoas com síndrome de Down:? Le Méné: Isto é uma ilusão pois o teste da amniocentese não é cem por cento seguro e sempre haverá mulheres que se recusam a fazer o teste.
09. Na sua experiência, as pessoas com síndrome de Down, você acha que eles querem ser curados ou serem aceitos como são? São alternativas tão diferentes... Le Méné: Acho que há as duas opções. A inclusão na sociedade é limitada. Tínhamos uma estagiária que era inteligente, simpática e eficiente e que trabalhava como secretária. Ela sempre me dizia, "eu não tenho amigos".
As pessoas com Down sofrem por não ter o mesmo nível de inteligência, a vida pode ser muito cansativa.
É ótimo poder incluí-los na escola no início, mas no final pode ser muito desgastante.
Não se pode forçar pois há o problema do limite intelectual e é por isso que é o nosso objetivo é realista, o de ajudá-los a superar este problema.
10. O senhor acha que Lejeune ficaria feliz com a situação atual das pessoas que nasceram com a síndrome de Down. Le Méné: Ficaria contente com os esforços da Fundação pois ele também tinha dificuldade em achar o dinheiro para suas pesquisas. As pessoas diziam que, após a aprovação do aborto na França, não haveria mais pessoas com síndrome de Down no país, daí não haveria interesse em patrocinar pesquisas sobre o assunto.
Na França, onde há um sistema que permite a eliminação das pessoas com síndrome de Down se pratica o racismo cromossômico. A medicina que elimina os doentes é uma medicina estranha, é um erro metodológico. Não se pode eliminar os cancerosos, os aidéticos.
Não sei se ele ficaria feliz com o desenvolvimento da civilização que busca eliminar os que fogem do chamado "normal". Eles são eliminados no início da vida ou no final, através da eutanásia. Lejeune costumava dizer que a natureza condena e não cabe à medicina executar a sentença mas sim transformar a pena.